ATO I: DE UM TRIBUNAL A UM OUTRO, CHICANAS JURÍDICAS SEM ANÁLISE DO MÉRITO

As dificuldades não foram poucas e as chicanas jurídicas foram várias.

Para começar, a antropóloga Beatriz Caiuby Labate e o biólogo Rafael Guimarães dos Santos residiam fora do Brasil, enquanto a antropóloga Isabel Santana de Rose habitava fora do Estado de São Paulo, segundo informações da Editora Mercado de Letras.

     Sendo assim, eu só poderia acionar criminalmente a Editora Mercado de Letras, como corré, na medida em que tinha o seu endereço e não tinha o endereço dos coautores e, mesmo se tivesse os deles, teria de despender muito em cartas precatórias (para Juiz de mesma instância no território brasileiro) e rogatórias (para Juiz de fora do Brasil, no caso de réus residentes no Exterior).

Mas a desconsideração foi tanta, que, na primeira audiência em Cotia, a de Conciliação, agendada para 09.03.11, a Editora Mercado de Letras sequer compareceu. Apenas enviou contestação por escrito, solicitando extinção da ação pelo fato de ter sido proposta fora da Comarca de Campinas, cidade em que ela tem sede.

     Atuando sozinho, já que os Tribunais de Pequenas Causas dispensam o acompanhamento por Advogado, mas orientado pelos oficiais do Cartório do Tribunal, argumentei que a Lei me favorecia.

A Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em seu Artigo 4º expressamente permite que a ação seja instituída em Juizado Especial Cível e Criminal cujo Foro abranja o domicílio do autor, “nas ações para reparação de dano de qualquer natureza”.

    Portanto, tratando-se, neste caso, de reparação de dano moral, como solicitado na ação, esta pretensão de extinção não tinha fundamento.

    E citava a Lei:
“Art. 4º - É competente, para as causas previstas nesta Lei, o Juizado do foro:
I - do domicílio do réu ou, a critério do autor, do local onde aquele exerça atividades profissionais ou econômicas ou mantenha estabelecimento, filial, agência, sucursal ou escritório;
II - do lugar onde a obrigação deva ser satisfeita;
III - do domicílio do autor ou do local do ato ou fato, nas ações para reparação de dano de qualquer natureza”.

    Ora, se o foro de meu domicílio era, segundo a Lei, competente para “ações para reparação de danos de qualquer natureza”, e era de danos morais que se tratava no caso em questão, por que a ação deveria ser extinta apenas por não ter sido proposta em Campinas?

    Mesmo assim, após vaivéns e repetidos pedidos dos advogados da Editora Mercado de Letras para a extinção da Ação por incompetência territorial, insistindo que o foro de meu domicílio não era o foro adequado, a ação foi transferida em julho de 2011 para o Tribunal Especial de Pequenas Causas do Município de Campinas.

    Para tanto, o JEC do Município de Cotia preferiu apoiar-se no Inciso I da Lei (“do domicílio do réu"), mesmo com o Inciso III beneficiando a mim (“do domicílio do autor ... nas ações para reparação de danos de qualquer natureza”).

    Em Campinas, por sua vez, a 1ª Vara do Juizado Especial de Pequenas Causas entendeu não ser competente para julgar o assunto, embora não tenha agendado sequer uma audiência para ouvir as partes.

    Assim, em 25 de agosto de 2011 declarou extinta a ação Sem Resolução de Mérito, isto é, sem se manifestar sobre se minha petição era procedente ou não e sem nem considerar se haviam ou não ocorrido os fatos flagrantes de injúria e difamação, entendendo o pedido como “confuso” e a petição inicial como inepta, negando-se a dar uma solução jurídica para o caso ao alegar que a ação era “tumultuada”, isto é, “desordenada”.

    A alegação de “confusão” deveu-se ao fato de que, desde o pedido inicial eu pleiteava uma Declaração de Erro e, não, reparação em dinheiro, a mesma razão pela qual o Tribunal Especial de Cotia por duas vezes solicitara que eu estipulasse a quantia financeira que supostamente era pretendida por mim, ao que eu sempre reafirmei requerer somente a Declaração de Erro, já que era só isto o que me interessava, para reparar os danos causados à minha imagem.

    Resumindo esta primeira fase:
1. Em agosto de 2009 tomei ciência do fato, na casa de um amigo (o livro foi publicado em meados de 2008)
2. Em dezembro de 2010 entrei no JEC de Cotia com o pedido de reparação por danos morais (injúria e difamação), contra os quatro corréus: os três coautores (Beatriz, Rafael e Izabel) e a Editora (esta, por ser a empresa responsável pela publicação).
3. Por não ter o endereço de nenhum dos coautores, indiquei o endereço da Editora Mercado de Letras para a entrega das intimações para a audiência de conciliação, agendada para 09.03.11.
4. Em janeiro de 2011 os advogados da Editora solicitaram extinção da ação, por carta, alegando incompetência territorial da Comarca de Cotia.
5. Em 01.03.11 o JEC de Cotia solicitou esclarecimentos sobre a petição inicial.
6. Em 09.03.11 houve a audiência de conciliação e eu fui a única parte a comparecer, sendo que na ocasião tomei ciência da solicitação de esclarecimentos adicionais pelo JEC de Cotia, por meio da Conciliadora.
7. Em 16.03.11 apresentei os esclarecimentos solicitados, reafirmando todos os pontos principais constantes na petição inicial. Neste aditamento, também reafirmei a competência territorial do JEC de Cotia, enfatizando tratar-se de ação de reparação de dano moral, portanto estando entre “ações de reparação de dano de qualquer natureza”, e solicitei que o Tribunal intimasse a Editora a fornecer o endereço dos réus.
8. Em 23.03.11 o JEC de Cotia solicitou que eu definisse o valor da indenização pleiteada, por supor que, além das obrigações, eu buscava indenização financeira, o que desde a Inicial da ação eu esclarecera não pleitear. Neste despacho, intimou a Editora a fornecer o endereço dos réus, para que fossem intimados.
9. Em 30.03.11, orientado por funcionários do Cartório do JEC de Cotia (atendimento público), fiz um aditamento manuscrito para esclarecer que não pleiteava indenização financeira e para reiterar o que requeria como reparação pelos danos morais sofridos: apenas a Declaração de Erro, para conhecimento público.
10. Em 11.04.11 a Editora protocolou esclarecimento, informando o endereço dos autores (corréus), quando fiquei sabendo que dois deles tinham endereço no Exterior (Beatriz, na Alemanha, e Rafael, no Peru).
11. Em 05.05.11 fiz outro aditamento manuscrito, abrindo mão da intimação contra Beatriz Caiuby Labate e Rafael Guimarães dos Santos, apenas por residirem no Exterior, solicitando que Izabel Santana de Rose e a Editora Mercado de Letras fossem intimadas para outra audiência de conciliação.
12. Em 13.05.11, um despacho do Tribunal assumiu que eu só pleiteava “obrigação de mandar fazer”, o que, mesmo se concedida, não seria cumprida na Comarca de Cotia, razão pela qual a ação seria redistribuída para a Comarca de São Paulo, por ser a mais próxima.
13. Em 27.05.11 fiz um aditamento no qual reafirmei ser ação de reparação por danos morais, razão pela qual a Comarca de minha residência era competente, e tornei a afirmar o que eu pleiteava como indenização: somente a Declaração de Erro.
14. Em 30.05.11 fiz um aditamento chamando a atenção para o fato de o Cartório, na recepção da Inicial, ter afirmado que eu requeria “a obrigação de mandar fazer”, descrevendo todos os meus pleitos, tal como eu descrevera na Inicial. Cabe salientar que já na Inicial eu estipulava requerer reparação por danos morais de injúria e difamação, sem utilizar a expressão “obrigação de mandar fazer”, o que foi orientação da funcionária do Cartório e nem reparei, por não conhecer detalhes processuais.
15. Em 01.06.11 o advogado da Editora protocolou um Embargo de Declaração, informando que a sede de sua cliente era em Campinas e tornando a solicitar a extinção da ação por incompetência territorial.
16. Em 29.06.11 despacho do JEC de Cotia afirmou a intempestividade do aditamento do advogado da Editora Mercado de Letras, não o admitindo quanto à extinção, mas determinando a redistribuição da Ação para a Comarca de Campinas.
17. Em 01.07.11 fiz novo aditamento, buscando firmar uma vez mais a competência do JEC de Cotia para a ação, razão pela qual não se justificava a redistribuição para outra Comarca.
18. Em 11.07.11 começou a redistribuição para Campinas.
19. Em 20.07.11 o processo foi acolhido em Campinas.
20. Em 25.08.11 foi emitida pelo JEC de Campinas a sentença de extinção da ação, com base na mesma argumentação do JEC de Cotia, isto é, também Sem Resolução de Mérito.
21. Em 04.10.11 estive no JEC de Campinas, onde tomei ciência da sentença e soube ter 10 dias para entrar com recurso, o que não fiz, exausto que estava de lutar em vão contra a máquina judiciária.

Durante todo este desgastante percurso eu me perguntava: se os coautores de fato tinham firmeza a respeito do que escreveram sobre mim, pois, do contrário, não deveriam fazê-lo, e a ação pedia que eles emitissem uma Declaração de Erro somente no caso de não conseguirem comprovar em quais trechos de meus livros eu “distorcera dados” e “manipulara análises”, já que era isso o de que me acusavam, o que os impedia de identificar com clareza tais trechos e, com isso, confirmar judicialmente o que haviam escrito e publicado sobre meu caráter?

Intimamente, eu sabia que não poderiam fazê-lo, pois eu não “distorcera dados” e nem “manipulara análises”. E menos ainda buscara “legitimar certas ideologias religiosas”.

Eu apenas apresentara fatos suficientes para me contrapor a conclusões de uma dezena de estudos acadêmicos anteriormente realizados no Brasil e no Exterior sobre a identidade originária da missão religiosa estabelecida por mestre Irineu, por ter colocado em necessário destaque o que até 2004 – e mais detalhadamente em 2006, no segundo livro da Trilogia Juramidam – nunca ninguém, antes de mim, considerara.

A saber: o conteúdo específico de crença que os hinos dos hinários da base doutrinária e o Estatuto do Ciclu expõem, de um modo muito mais perene, evidente e definidor do que os variados e variáveis testemunhos orais colhidos nas pesquisas de campo até então adotados para o trabalho de detecção, estudo e descrição da identidade da missão religiosa estabelecida por mestre Irineu em 1931.

Para mim a questão prosseguia em aberto: será possível que o maranhense Raimundo Irineu Serra, bem além de ter sido um pregador e dirigente espiritual, tenha sido interlocutor de Maria Santíssima por escolha de Deus e aquiescência humana, igual ao que se deu em outras regiões do mundo, entre as quais Fátima, Guadalupe e Lourdes são as ocorrências mais conhecidas e amplamente aceitas?