Publicados os três livros virtuais da Trilogia Juramidam, segui em frente, dedicando-me ao cotidiano da
vida e a pesquisas ou estudos em outros campos de conhecimento.
Eu já me acostumara às resistências que as descobertas
apresentadas em meus livros produziram a partir de 2004, na medida em que ofereceram
sólido contraste às conclusões de mais de uma dezena de pesquisadores
publicados, brasileiros e de outros países.
Como relato no A Rainha da
floresta, quando publiquei O
Mensageiro não poucos estranharam eu divergir de informações apresentadas
por pesquisadores reconhecidos, quase todos sendo Mestres ou Doutores em suas
especialidades acadêmicas, e ao comparar de modo aberto e franco, o que a
alguns pareceu desrespeitoso, o que um dia fora escrito em inumeráveis estudos
versus o que estava sendo, então, mostrado por mim.
Não se tratou de desrespeitar ninguém, entre
os muitos que já pesquisaram a doutrina daimista; tratou-se, apenas, de
obedecer a uma sucessão de exigências metodológicas do trabalho a que me
propusera fazer.
Embora, por trabalhar por fora da Academia e
com isso não ficar preso ao protocolo de relacionamento que em geral predomina
entre especialistas, segundo o qual faz-se todo o possível para não dar
evidência a imprecisões conceituais, metodológicas e ou de informação já
ocorridas em trabalhos de outrem, trabalhando como eu fiz eu possa ter
incomodado alguns.
Não
estava preparado, contudo, para o que se passou após ter conhecido o livro Religiões Ayahuasqueiras – Um balanço
bibliográfico, de coautoria das antropólogas Beatriz Caiuby Labate e Isabel
Santana de Rose e do biólogo Rafael
Guimarães dos Santos, e publicado pela Editora
Mercado de Letras, da cidade de Campinas.
Em 2008
eu decidira suspender as atividades de um pequeno núcleo daimista que desde 1994 eu pudera estabelecer e dirigir (até 2000) na região de Cotia, na Grande São Paulo, e depois passara a aconselhar (entre 2000 e 2008).
Esta
suspensão decorrera de minha discordância de como, com os anos, a identidade e o propósito
originários da missão de mestre Irineu foram gradativamente desrespeitados e, mesmo,
esquecidos, inclusive nos centros acreanos que se afirmavam ser mais comprometidos
com sua vida e obra, em função da valorização crescente de supostas “religiões ayahuasqueiras”.
Isto é assunto que,
no tocante à decisão que tomei em 2008, talvez eu explicite mais profundamente um dia, embora
já o tenha abordado no livro A Rainha da
floresta do ponto de vista teórico e teológico, mas, voltando ao assunto, quase ao final do ano de 2009, visitando um amigo, soube
por ele que dois de meus trabalhos publicados haviam sido mencionados naquela
obra em coautoria.
Busquei ler e soube ter sido injuriado e difamado, dois dos
três crimes contra a honra que são tipificados na Lei brasileira (injúria,
difamação e calúnia).
Em um longo
parágrafo iniciado na página 41, os coautores haviam se expressado assim:
"para além do caráter crítico de determinadas
obras, observamos cada vez mais a expansão de um tipo de literatura realizada
por adeptos, fundamentada em pesquisa empírica realizada fora da academia,
assim como numa apropriação particular da pesquisa científica, frequentemente
(mas nem sempre) com o intuito de legitimar certas ideologias religiosas.
Exemplos que merecem atenção são os livros virtuais de Luiz Carlos Teixeira de
Freitas (2006 e 2006) (...) O autor busca estabelecer a suposta ‘forma
original’ do Santo Daime, do ‘tempo de Mestre Irineu’ – diferentemente das ‘perversões’ realizadas, sobretudo,
pelo Cefluris, mas também pelo Ciclu-Alto Santo e demais grupos que se
autoidentificam como seguidores de Raimundo Irineu Serra. Embora contendo
pesquisa de campo e dados históricos valiosos, e atentando corretamente para
alguns aspectos importantes não pesquisados pelos antropólogos do campo (como
as concepções mais antigas sobre o que seria o próprio ‘daime’), o autor distorce os dados e manipula a
análise de forma a criticar os demais grupos, até legitimar a sua própria
versão do que seria o sistema daimista ‘correto’. Do ponto de vista teológico,
argumenta Freitas, seria basicamente um sistema cristão, despido de qualquer
outra influência (afro, espírita, esotérica, indígena etc.). Assim, em suas
obras, sobretudo no livro O Mensageiro – O replantio daimista da doutrina
cristã (2006), por meio de uma formulação intelectual por vezes sofisticada, em nome da ‘pureza original’ há um processo
de quase higienização do Santo Daime
(os destaques neste longo trecho são meus).
* Vale salientar que, embora os coautores mencionem "2006 e 2006" (sic),
os meus livros foram publicados, respectivamente, em 2004 (O Mensageiro)
e 2006 (A Rainha da floresta).
Jornalista
e escritor desde jovem, e sempre inclinado a respeitar mais a autoridade do argumento do que o argumento da autoridade, habituei-me a sofrer críticas sobre o que já escrevi em várias áreas de interesse,
quer pelos conhecimentos ou enfoques apresentados por mim, quer pela forma
elaborada de texto para expor estes mesmos conhecimentos ou enfoques.
No
caso, entretanto, não havia crítica aberta, fosse parcial ou total, a nenhum conteúdo
específico de meus livros, nem a forma alguma de redação: havia acusação vaga e difusa contra meu caráter, por
descrever-me ser um autor que distorce os dados e manipula a análise até
legitimar minha própria versão do que seria correto.
Era evidente: não havendo como
contrapor-se ao que eu aportara de informação e análise em meus estudos – em um
trabalho de um único indivíduo, que, atuando fora da Academia, derrubara parte importante do que variados pesquisadores de diferentes Universidades haviam por anos seguidos teorizado
com base em informação enviesada –, a alternativa que sobrara era, ao escreverem uma obra de referência, difamar-me. Como se diz no popular, não dando para ir contra o conteúdo da mensagem, o que restara era atacar o mensageiro.
Pior,
ainda: os coautores acusavam-me de higienização
(embora com o “quase”), que no jargão das Ciências Sociais equivale a “limpeza
étnica” ou “moralização de costumes”, como se eu tivesse tido a intenção de legitimar certas ideologias religiosas
em detrimento de outras, como o texto dos coautores também sugeria.
Por
meio de um texto elaborado de modo a pôr em ruínas a imagem de meu caráter, sem
que fosse apresentado um exemplo sequer do trabalho que diziam avaliar – um só, que fosse! –, o que seria imprescindível para ser uma crítica consistente de fato, jogava-se por terra a possibilidade de que algum
outro pesquisador se interessasse pela questão que mais me motivava desde o
início: será possível que o maranhense Raimundo Irineu Serra,
bem além de ter
sido um pregador e dirigente
espiritual, tenha sido interlocutor de
Maria Santíssima por escolha de Deus
e aquiescência humana, igual ao que se
deu em outras regiões
do mundo, entre
as quais Fátima, Guadalupe e Lourdes são as ocorrências
mais conhecidas e amplamente
aceitas?
Afinal,
quem, após ver-me ali caracterizado como “distorcedor de dados” e “manipulador
de análises”, teria interesse em conhecer os fatos e avaliações que eu aportara
em meus diferentes estudos?
É importante registrar que a antropóloga Beatriz Caiuby Labate, na
ocasião, já era referência nacional e mundial em assuntos relacionados à
ayahuasca (ou daime), razão pela qual uma bibliografia comentada de sua coautoria
gozaria de ampla aceitação e visibilidade.
Tanto assim foi, que, em 2009 o livro passaria a ser oferecido
mundialmente na livraria virtual Amazon com o título Ayahuasca religions: a comprehensive bibliography &
critical essays,
sendo editado pela MAPS – Multidisciplinary
Association for Psychedelic Studies, uma das mais prestigiosas
organizações não-governamentais do mundo em se tratando do uso responsável de
princípios químicos psicoativos (como o daime, ou ayahuasca, entre outros).
Começou,
então, minha peregrinação pela Justiça brasileira, em busca de defender a
imagem pública de meu caráter, ao menos entre o público interessado em estudar temas
relacionados à ayahuasca (ou daime) e, mais especificamente, à missão religiosa
estabelecida por mestre Irineu.